sexta-feira, 20 de julho de 2012

OS MÁRTIRES DO COLISEU, A. J. O'Reilly, Cap. 12 adaptado – Pequeno Marino,


Pequeno Marino


Ainda temos, na história de Roma, outro caso extraordinário de um pe­queno menino, filho de um senador, exposto às bestas feras do Coliseu. Idade, condição, ou sexo não eram salvaguarda contra a crueldade e a tirania. Hoje, nos hipódromos de Londres e Paris, as pessoas divertem-se vendo meninos realizar proezas de agilidade e destreza, saltando e fazen­do acrobacias, como se seus corpos fossem de borracha, desafiando a lei da gravidade, e voando no ar. Gritos e aplausos saúdam os jovens ginas­tas, quando eles se retiram com uma graciosa inclinação.

O Coliseu também tinha seus jovens prodígios. Não que eles fossem treinados para divertir os romanos com surpreendentes façanhas na corda bamba, ou dando cambalhotas no ar; eram, isto sim, lançados na arena a fim de serem devorados pelas feras, para deleite da turba insen­sível. Sua coragem, habilidade e sucesso vinham de uma ordem superior à capacidade física; vinham do céu. Sua recompensa não era o salário miserável de um empregador, nem as ovações da audiência admirada; era a vida eterna dada por Deus.

Evoquemos um desses emocionantes episódios do Coliseu.

Um estranho acidente pusera os irmãos Carino e Numeriano à frente dos negócios. No ano 283, seu pai, Carus, partira numa expedição contra os persas. Ele era um soldado rude e bem-sucedido com as armas. A guerra civil enfraquecera o leste agitado, e Carus penetrou facilmente o centro do território inimigo. Havendo derrotado a Selêucia, e tomado posse de Ctesiphon acampou próximo ao rio Tigre. É estranho, mas havia uma ordem dos oráculos dizendo qUe não era para os exércitos romanos passar tão perto assim do território persa. Não nos deteremos a examinar a origem desta superstição, mas o fato é que desde o primeiro dia do acampamento, eles quase pereceram totalmente numa tempestade.

Uma noite repentina escureceu o céu, e um raio caiu no meio do acampamento, matando a muitos, e ateando fogo em tudo. Entre as vítimas da tempestade estava o imperador Carus. Em meio a confusão do escuro e o ruído dos trovões, a sua tenda foi vista queimando como uma imensa fogueira, e os soldados corriam de um lado para outro, gritando: — O imperador está morto!

Seus dois filhos, Carino e Numeriano, foram declarados imperadores. O primeiro ficou encarregado do oeste, e o segundo tomou o controle do leste.

Carino teve um reinado curto, porém cruel e sanguinolento. Ele nada tinha a ver com o significado de seu nome; a história o estigmatiza com brutalidade e ignorância. Não que ele adotasse um sistema uniforme de perseguição, mas usava a espada contra os cristãos movido pelo capricho e pela moda. Ele tinha amigo entre os cristãos, e talvez preferisse tolerar a crueldade de seus oficiais tirânicos a infligi-la ele próprio. Contudo, era um anjo de misericór­dia, se comparado ao demônio que o sucedeu na terrível guerra contra o Crucificado. 0 evento que livrou o mundo do imperador Carino entregou as rédeas do governo a Deocleciano, o pior e mais brutal perseguidor da Igreja. Sob o comando de Numeriano e Carino, inumerá­veis mártires foram enviados ao céu. Entre eles, o bravo jovem Marino - um dos santos mortos no Coliseu.

Marino era uma criança de aproximadamente dez anos. Quando se descobriu que ele era cristão, foi agarrado, trazido perante Marciano, o prefeito, açoitado, e lançado ao cárcere.

Em rápidas frases como estas, os Atos dão-nos a preliminar da história do jovem mártir. Mas elas contam o suficiente para preencher volumes. O que não deve ter sido o treinamento desta criança! O que não deve ter sido a inocência pura de sua alma imaculada! A fantasia leva-nos através do lapso dos séculos, e imaginamo-nos sentados no Fórum de mármore da poderosa cidade. A multidão avizinha-se, e alguns soldados conduzem rudemente um belo menino à corte do prefeito. Pesadas cadeias magoam-lhe as mãos, e a larga faixa dourada à volta de seu laticlavo púrpura revela que ele é filho de um senador. Que crime terá ele cometido? Poderia alguém tão jovem e bonito ser um homicida? Um murmúrio percorre a multidão sempre crescente: Ele é um cristão.

Entram no edifício onde o prefeito tinha o seu tribunal (provavelmente o Templo da Terra). Não se ouve uma queixa do jovem prisioneiro - nenhum medo infantil - nenhum soluço. Bravo e destemido, o pequeno seguidor de Cristo mantém-se ereto diante do tirano. De onde essa eloqüência, essa profundidade de erudição e pensamento, o som angelical de sua voz? Notem o auxílio sobrenatural prometido àqueles que são levados diante dos príncipes e tiranos. Observem a "sabedoria perfeita nos lábios do inocente".

O juiz está confuso - silenciado por um garoto. Ele desafoga sua raiva impotente ordenan­do que Marino seja fustigado. Os lictores brutos e cruéis arrancam-lhe a pequena túnica, e logo us ombros brancos e lisos tornam-se vermelhos e azulados com as escoriações da chibata. Não há choro nem movimento, exceto o choque convulsivo, que a cada lambada dolorosa, percorre-lhe a frágil estrutura.

— Tu irás sacrificar? — ecoa a pergunta pelo salão, a cada intervalo.
A resposta é um baixo e doce murmúrio do nome de Jesus. Frustrado e enraivecido, ordena que o menino seja lançado à prisão, enquanto prepara algum mecanismo infernal de tortura, capaz de abalar a constância do menino.

Pobre Marino! Sofrendo as dores do açoite, ele passa a noite na prisão escura; nenhum curativo para as suas feridas; não há uma gota d'água para a sua língua febril. Ele estava acostumado a um belo quarto e uma cama de plumas; agora, seus ossos doloridos estendem-se nas pedras úmidas e frias do assoalho. Pensava ele na mãe e nos colegas? Fantasiava como menino os fantasmas do medo? O sofrimento e temor o faziam duvidar de Deus? Não. Sabe que os anjos de Deus estão ao seu redor. Seu coração está iluminado e confiante. A sua alegria interior absorve as sensibilidades da carne, e o faz esquecer-se da dor. Nasce o sol da manhã. Em seu apogeu, ele testemunhará a derrota do poder das trevas e o triunfo do filho do senador.
O juiz já tomou assento, e Marino foi trazido perante ele. A roda, o fogo, e os demais instrumentos de tortura já estão prontos. O pequeno mártir olha aquilo tudo; sabe que foram preparados para ele. No entanto, não está assustado. Apesar de jovem na idade, é maduro nas sublimes lições do evangelho. Está preparado para morrer por Cristo.

Percebendo que o menino ainda está inabalável em sua resolução, o malvado juiz ordena que seja estirado na roda. Mas observem, o Deus Todo-poderoso não permitirá que seu servo puro e inocente seja desconjuntado ou rasgado pela brutalidade dos pagãos. Mal os executo­res lhe estiraram o corpo na máquina, e começaram a girar as polias para esticar as cordas, o medonho instrumento foi atingido por um raio, e rompeu-se em mil fragmentos. Os lictores e os curiosos que se achavam muito perto caíram. Marino, porém, levantou-se ileso no meio dos cavacos. Com um dedo, ele apontava os destroços do instrumento de tortura, com outro, apontava o céu, indicando que Jesus é o escudo e a força dos oprimidos.

O milagre, em vez de aterrorizar e converter o impiedoso Marciano, deixou-o mais ansioso para tirar a vida do menino. No entanto, uma vez mais ele seria malsucedido em sua crueldade. Mandou que Marino fosse posto num grande caldeirão, com fogo em baixo. Para o menino foi o mesmo que deitar num leio de rosas, e o calor intenso, que avermelhava o ferro, foi para ele uma brisa fresca, cheirando a orvalho.

Vendo que de nada adiantara, o tirano mandou que o pusessem num forno rubro de calor, e ali o mantivessem até o dia seguinte. Mas Deus protegeu e confortou Marino. Na manhã seguinte, ao abrirem o forno esperando vê-lo transformado em carvão e cinzas, encontraram-no de mãos postas em oração, e cantando hinos de louvor a Deus. Quando deram a notícia a Marciano, ele sapateou de raiva, e ordenou que o menino fosse jogado às feras, no Coliseu Que os leões famintos dessem cabo daquela criança enfadonha. Novamente, porém, o poder de Deus seria mostrado através da vítima inocente e vulnerável, e Ele, que reina do alto haveria de rir das maquinações de seus inimigos.

No Coliseu, um leão foi solto primeiro. Ele correu para a criança trêmula, mas deitando-se à sua frente, parecia reverenciá-la. Depois, pondo-se de pé, pousou uma grande pata no ombro do garoto, e começou a lamber-lhe a face. Soltaram um leopardo, e ele também veio lamber-lhe os pés. Então foi a vez da fêmea do leopardo e de um tigre. Os animais pareciam competir entre si, na demonstração de afeto ao mártir. O povo gritava. Os tratadores fizeram de tudo para irritar as feras, mas tiveram de fugir da arena porque elas ameaçaram virar-se contra eles.

Ocasionalmente, o leão e o tigre encaminhavam-se para a ala onde estava Marciano, e olhando em sua direção, rosnavam enraivecidos. Depois voltavam correndo ao centro da arena, e prodigalizavam afagos ao menino cristão. Marino falava com eles e dava-lhes tapinhas, como se fossem animais de estimação criados em sua casa.

O Coliseu ressoava com os gritos de "Libertas", "Maleficium", "Mors", "Ut quid plus?", e expressões semelhantes a estas, familiares à multidão do anfiteatro.

O prefeito, confuso e derrotado, não sabia o que fazer. Enquanto o tumulto aumentava no meio do populacho, ele mandou que os lictores removessem o mártir, mas eles recusaram entrar na arena enquanto as feras lá estivessem. Até os tratadores sabiam que elas os fariam em pedaços, se eles se metessem com o garoto. Finalmente, fizeram sinais para que Marino saísse de lá, e a nobre criança guiou os animais aos seus covis. Assim que os pesados portões se fecharam sobre as bestas, os lictores apressaram-se em algemar as mãos do menino indefeso, e levá-lo embora como se fora um criminoso infame.

A nossa história de milagre, triunfo, e crueldade, ainda não terminou. Outros milagres ainda trariam honras ao nome de Deus. Toda a Roma deveria testemunhá-los, uma vez mais, como prova da verdade divina do cristianismo. Após a preservação milagrosa de Marino no Coliseu, cresceu o interesse público por seu destino.

Marciano, temendo que a simpatia do povo lhe suscitasse também a indignação contra ele, empenhou-se em convencê-los de que era justiça a sua crueldade contra o menino. Ordenou que ele fosse levado à estátua de Serapis, a fim de oferecer-lhe sacrifício. Milhares de pessoas arrojaram-se do Coliseu para lá; todos queriam ver de perto o pequeno herói, e apressaram-se em direção à estátua do deus pagão, erigida na vizinhança do anfiteatro.

Uma imensa multidão cercou o ídolo; todos estavam ansiosos para ver o fim do filho do senador. Suas feições bonitas e amáveis, sua juventude, sua modéstia e dignidade, haviam despertado a admiração geral. Alguns cristãos, misturados à multidão, quase choravam audívelmente de alegria, ao ver a constância do pequeno mártir.

Chegando à estátua, Marino ficou no meio de um círculo formado pelos soldados. Uma grande caçoula de carvão queimava ao pé do ídolo, e o sumo sacerdote do Capitólio, de pé ali perto, segurava numa das mãos o tripé, e na outra, uma vasilha de incenso. O silêncio foi exigido com um grito, e Marciano, num tom alto e áspero, mandou que o menino oferecesse sacrifício.
Vejam! Marino está se ajoelhando! Teria ele consentido em orar ao ídolo inconsciente? Estaria com medo de novas provações? Ou a graça de Deus o teria abandonado?

Um silêncio sem fôlego reina à volta. O prefeito acredita que, finalmente, subjugou o espírito altivo do pequeno cristão. Tolo pensamento! Marino está orando ao Deus verdadeiro. Sua oração já atravessou as nuvens do firmamento; sua resposta é o disparo do relâmpago que atingiu a imagem de Serapis. O povo viu o deus desfazer-se em pedaços aos pés do menino. Alguns fugiram aterrorizados. Outros, de espantados que estavam, não saíram do lugar. E muitos deles bradavam: — Grande é o Deus dos cristãos!

Nesse dia, muita gente conheceu a luz de Cristo, porque Deus usa as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes.

Marciano mandou que removessem o mártir ao presídio. O Todo-Poderoso ouviu o pedido do menino para livrá-lo das mãos do inimigo, e preparou para ele uma coroa eterna. O prefeito tentou novamente tirar a vida do pequeno servo de Deus, ordenando que fosse decapitado. Dessa vez, conseguiu seu intento. No dia 26 de dezembro, de 284, a alma pura do corajoso Marino alçou vôo para o reino da bem-aventurança.

O malvado prefeito ordenou que o corpo de Marino fosse jogado com os cadáveres de criminosos, escravos, e gladiadores assassinados no Coliseu. A noite, alguns cristãos zelosos foram buscá-lo, mas toparam com os guardas que vigiavam o local. Por providência divina, uma tempestade com raios e trovoadas assustou os guardas, fazendo-os fugir dali. E os cristãos transportaram para as catacumbas o corpo do pequeno mártir.

Próximo ao Coliseu, sobre as ruínas do Templo de Vênus e Roma, erigido pelo extravagan­te Adriano, foi construída, na Idade Média, uma bela igreja, hoje conhecida como a igreja de Santa France de Roma. Nesta pequena igreja, estão hoje preservados os restos mortais de Marino, o pequeno mártir de Cristo.

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