segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sobre os mártires cristãos

Martírio: “Bem-aventurados sois vós quando vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós por causa de mim... De igual maneira perseguiram os profetas antes de vós” (Mt 5,11-12).  

A palavra grega mártir significa “testemunha” diante de um tribunal mas, com o tempo, ganhou um sentido cristão e ficou reservada para “todo aquele que dá testemunho, mesmo ocasionalmente, mas sempre enfrentando ameaça de morte”. 

Mártires: Testemunhas de Fé Afirma Orígenes (séc. II): “A comunidade de irmãos na fé reservou o nome de mártir para aqueles que deram testemunho de fé em Cristo derramando seu sangue”. O martírio expressa a mais alta identificação com Cristo e realiza a bem-aventurança proclamada por Jesus: “Bem-aventurados sois vós quando vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós por causa de mim... De igual maneira perseguiram os profetas antes de vós” (Mt 5,11-12). A primitiva comunidade cristã via nos irmãos que perdiam a vida com o martírio um estímulo à perseverança e novos intercessores junto ao Senhor.  Os mártires eram o orgulho da fé cristã e seus túmulos se tornavam locais de oração . 

Acontecia que alguns cristãos eram torturados, derramavam o sangue, mas não morriam. A esses irmãos, com veneração, a comunidade dos cristãos deu-lhes o nome de “confessor”. Eles possuíam um posto eminente na igreja, impunham as mãos e, em alguns lugares, tinham o poder sacerdotal sem necessitar de ordenação: eram os mártires ainda vivos, um privilégio, uma graça de Deus para seu povo. A vida de um mártir Para a Igreja não interessa o passado do mártir, o importante é o momento decisivo do martírio. Assim, um santo mártir não é aquele que viveu heroicamente a fé, mas o que heroicamente derramou o sangue por Jesus. Pode ter sido um grande pecador, mau exemplo, mas se aceitou o martírio, mostrou amor heroico e perfeito pelo Senhor. O mártir se abandona aos sofrimentos, adere a Cristo com todas as suas energias, tomado pela potência do Cristo ressuscitado. Martírio: identificação com cristo Com o tempo, a Igreja percebeu que há um outro tipo de martírio, incruento, sem derramamento de sangue: é o martírio-testemunho de toda uma vida dedicada à fé e ao evangelho. Toda perfeição cristã tem algo de martírio: a perseverança no bem, a aceitação de afrontas, a dedicação aos pobres e sofredores.  A glória da Igreja são seus mártires. 

Trata-se de homens, mulheres, jovens e crianças que a tal ponto amaram a Jesus que não lhes importou sofrer ou morrer. A perseguição que o império romano moveu aos cristãos durante os primeiros 300 anos do cristianismo, não os atemorizou ou diminuiu seu número. Tertuliano, grande teólogo, dizia: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. Por que a perseguição ao cristianismo? Basicamente, porque os cristãos rejeitavam os deuses do império romano e o culto do imperador, já que, para eles, havia um só Deus e um só Senhor e a nenhum outro podiam prestar adoração. Era até oferecida aos cristãos a oportunidade de disfarce: “finge que adora, mas não adore, ofereça incenso para agradar, sem compromisso, e pronto, salve a pele! Pague uma gorjeta, e estamos falados.” A maioria não aceitava isso: antes sofrer e morrer do que não proclamar publicamente o único Deus e seu Filho Jesus. O martírio era uma prova imensa, pois supunha imensos sofrimentos, angústias, além da morte física: tortura, decapitação, mutilação, ser entregue a animais ferozes e famintos nos circos, ser queimado... Santo Inácio de Antioquia, antes de ser despedaçado na boca de leões e tigres, dizia: “Triturado por leões, serei como o trigo que é triturado para com ele se fazer o pão da ceia”. São Potino, bispo de Lyon, com mais de 90 anos, é levado ao tribunal. 

Apesar de fraco e doente, foi interrogado com dureza, humilhado, surrado, torturado. Nesse estado de dor e feridas é jogado no cárcere, onde morre dois dias depois. O mártir dá testemunho do valor único de se crer em Jesus: ele é o tesouro, a pedra preciosa, nada vale mais do que ele. O imperador Constantino, em 313, concedeu liberdade aos cristãos que, apesar da insegurança e perseguições, tinham crescido e se constituíam na maior e melhor força do Império. O segredo dessa força foi dado pelo heroísmo de quase 100 mil mártires. História de Martírio·         As autoridades ficavam impressionadas com a coragem e a simplicidade dos cristãos entregues aos tribunais. São crianças de 11 anos, como a belíssima romana Inês. Em pleno circo, arrancam-lhe as vestes para rirem de sua nudez e Inês é decapitada.·         É o bispo Policarpo respondendo ao juiz que pede que blasfeme: “Eu sirvo a Cristo há 86 anos e ele nunca me fez mal; como posso blasfemar contra o rei que me salvou?”·        

 É um jovem que vai para o martírio tremendo de medo e sua namorada o anima, encoraja, morrendo os dois.·          

É o jovem Tarcísio que leva a Comunhão aos doentes, escondendo o Pão embaixo da camisa e seus colegas, ao descobrirem o que levava, acabam por matá-lo a pedradas. 

         É o velho bispo que, antes de ser executado, recomenda o cuidado por alguns pobres e doentes dos quais ele cuidava.·        É o legionário Basílide (Egito, ano 203) que acompanha Marcela e sua filha Potamiena ao patíbulo e que escuta o agradecimento de Marcela antes de ser morta: “orarei por ti ao meu Senhor, para que ele recompense o bem que nos fizeste”. Basílide pede o batismo e serenamente é decapitado.·           É o senador Apolônio (ano 183), bem humorado, que responde ao juiz que lhe pergunta se estava contente por morrer. Respondeu que não, gostava de viver, mas que preferia a vida eterna. E depois, concluiu: "se morre também de febre e disenteria. Ao ser morto vou imaginar que a causa foi uma dessas doenças." ·         É a jovem Cecília, pretendida por muitos jovens aristocratas, que por nada trai a Jesus. É colocada numa sauna para morrer asfixiada mas, não morrendo, é decapitada. ·         É o filósofo Justino (séc. II) que, convertido, vai ao palácio do imperador Marco Aurélio defender os cristãos e acaba decapitado. ·         É o soldado Sebastião, da guarda imperial, que pede o batismo e depois é condenado a morrer a flechadas, amarrado a uma árvore. Pensando que estivesse morto, é abandonado. Os cristãos recolhem o corpo e cuidam bem, pois estava vivo. Sebastião se retraiu? Não! Foi ser catequista, sendo pouco depois martirizado. ·     Quanta simplicidade nesses santos que nos ensinam que não existe fé sem heroísmo, que não é possível ser cristão e viver na moleza! Existe um novo tempo de mártires, talvez o maior da história do cristianismo, pois nunca tantas pessoas sofreram para serem fiéis à sua fé, como nestes tempos. Nos tempos modernos nem todos morreram, mas milhões viveram sua fidelidade na insegurança e na privação.

 Os novos mártires podem ser englobados em quatro categorias:- mártires da revolução mexicana (1927-1941) e espanhola (1931-1939),- mártires do Comunismo (1917-1989),- mártires do Nazismo e do Fascismo (1933-1945),- mártires das lutas tribais e étnicas no Burundi, Congo, Sudão, Nigéria e outros países africanos (1990...).

 No México e na Espanha foram milhares os religiosos e religiosas, sacerdotes e leigos, sumariamente fuzilados pelo fato de serem cristãos.
 O Comunismo materialista conquistou o poder na Rússia em 1917 e, em 1945, em todo o leste europeu; em 1949 a China e o sudeste asiático. A Rússia transformou igrejas em “museus do ateísmo”, enquanto a Albânia proclamou-se o primeiro país ateu do mundo. 

Mas as prisões e as mortes não amedrontaram esses heroicos cristãos. Não menos feroz foi a perseguição movida contra os cristãos da China, Vietnã, Coréia, Laos, Camboja, Birmânia... 

O Nazismo alemão (1933-1945), a mais inexplicável mancha da história humana, planejava primeiramente a extinção dos judeus (seis milhões), seguindo-se a dos cristãos. Sacerdotes, religiosos e leigos ergueram-se contra esse moderno paganismo que idolatrava o Estado e por isso morrerram. Entre todos esses gloriosos mártires citamos Maximiliano Kolbe e Edith Stein.


Os Duzentos e Sessenta Soldados - OS MÁRTIRES DO COLISEU, A. J. O'Reilly,

Os Duzentos e Sessenta Soldados

OS MÁRTIRES DO COLISEU, A. J. O'Reilly, – CAPÍTULO Capítulo 16.

Enquanto o ímpio Valeriano estava pagando a pena de seus crimes sob o chicote do vitorioso Sapor, rei da Pérsia, seu filho Galieno, devasso e imprestável, dava continuidade ao reinado de tirania. Sem afeição por seu pai, e sem interesse pelo Império, ele entregou-se aos mais vergonhosos excessos e libertinagens.

Cinco usurpadores levantaram-se quase simultaneamente para arrancar-lhe das mãos as rédeas do Império. Entre eles estava Marciano, cujo perverso conselho levara Valeriano a hostilizar os cristãos, e provocara a terrível retribuição do céu sobre o infortunado imperador. O rival mais bem-sucedido de Galieno foi o soldado Cláudio; no governo de Valeriano, ele passara de tribuno a comandante militar. Seu triunfo sobre os godos tornou-o famoso; prodigalizaram-lhe louvores, erigiram estátuas em seu nome, e ele tornou-se o ídolo do exército. A sua ambição acompanhou os passos de sua fortuna; ele visava o comando supremo.

Cláudio era um homem astucioso, e lançou mão de um estratagema para remover seu rival: escreveu os nomes de alguns dos mais bravos e audaciosos oficiais do exército de Galieno, imitando perfeitamente os caracteres e a caligrafia do imperador. O documento, que pretendia alistar os nomes de quem o tirano tencionava matar, foi enviado por um confidente ao campo de Galieno, que se achava sitiado pelo usurpador Aureolo, em Milão. Ele foi recebido por uma das supostas vítimas, que reuniu os demais à sua volta, e resolveram matar Galieno à noite. Quando escureceu, eles deram um alarme falso, e os soldados foram chamados às armas. Na confusão, o ignóbil imperador teve o corpo trespassado por um dardo, e um soldado partiu-lhe a cabeça em duas partes, com a espada. Cláudio foi declarado imperador por seu próprio exército, derrotou Aureolo, e veio a Roma para mergulhar as mãos no sangue dos cristãos, e manchar o próprio nome com a infâmia eterna.


Seu predecessor era demasiadamente destemperado para ser formidável. A crueldade, o derramamento de sangue e a imolação indiscriminada de vítimas inocentes não são as manchas encontradas na página da história que lhe menciona o nome. A sua impureza, intemperança, e visível tolerância das paixões brutais não lhe permitiram um momento de sobriedade para molestar os cristãos. Não obstante, as velhas leis de perseguição ainda estavam em vigor; havia juízes e governadores que usavam os terríveis decretos para satisfazer caprichos cruéis, e remover aqueles a quem consideravam detestáveis. Muitos martírios foram registrados nas províncias, enquanto em Roma a perseguição transcorria sem os horrores da matança. Os cristãos sofreram, mas não no Coliseu, nem na Petra Scelerata; não eram retalhados com chicotes nodosos, nem lançados em caldeirões de óleo fervente; não eram jogados no Tibre, nem decapitados no terceiro ou sétimo marco miliário. 

Outra perseguição, uma perseguição mais fatigante, os assolava. Eles eram lançados em prisões repugnantes, acorrentados às galeras, ou forçados a trabalhar como os malfeitores nas florestas e nos poços de areia, nas adjacências da cidade.

Assim, quando Cláudio entrou em Roma, já tinha as vítimas preparadas para si. Seu curto e sangrento reinado começou com uma das cenas mais cruéis e dolorosas encontradas nos contos de horror do Coliseu.

Nos Atos dos nobres persas Mário, Marta e seus filhos, apresentados nos Bolandistas lemos o seguinte:


"Ao mesmo tempo, Cláudio ordenou que se algum cristão fosse encontrado, na prisão ou livre, deveria ser punido sem julgamento. Quando esta lei foi promulgada, foram detidos na Via Salária duzentos e sessenta cristãos que, pelo nome de Cristo, foram condenados a trabalhar nos areeiros. Eles foram confinados no depósito de um oleiro, e depois levados ao anfiteatro para serem assassinados com flechas. Quando isto aconteceu, Mário e sua esposa Marta, juntamente com os filhos Audifax e Abacuque, passaram por grande aflição. Foram com o abençoado sacerdote João ao lugar onde eles haviam sido assassinados, e descobriram que tinham tocado fogo nos corpos. Começaram a removê-los e a sepultá-los com unguentos e especiarias, pois eram pessoas abastadas. A quantos puderam resgatar, enterraram numa cripta da Via Salariana, perto de Clivum Cucumeris. Sepultaram também um certo tribuno de Cláudio, chamado Blasto, e passaram muitos dias naquele lugar, com João, em jejum e oração".

A imaginação deve completar os detalhes horrendos deste massacre. De acordo com os Atos, eles foram mortos a flechadas, no Coliseu. A brutal soldadesca teve permissão para ocupar o lugar dos espectadores, e atirar flechas em seus companheiros, forçados a entrar na arena. Os arqueiros eram sempre os mais selvagens e violentos dentre os militares; os executores públicos eram geralmente escolhidos nesta unidade. Seus hábitos destemperados, sua aparência rude e bruta, e a sua falta de humanidade, faziam-nos odiados pelos próprios pagãos. Eles eram instrumentos de tortura nas mãos dos tiranos, para afligir os cristãos.

É doloroso contemplar estes bravos soldados, desarmados, amarrados e silenciosos, esperando que os dardos fatais os atravessassem. Em vão procuramos nos horrores dos naufrágios ou dos campos de batalha por algo que pudéssemos comparar a esta cena. No primeiro, os terrores são mais na antecipação que na realidade; a onda que engolfa sua vítima esconde até mesmo a agonia da morte; um grito ocasional de uma vítima debatendo-se rompe da tempestade; passado um momento, porém, tudo está acabado; nenhum vestígio do naufrágio é visto: os vagalhões rolam, e o vento uiva, como antes. Mas não assim na cena diante de nós, no Coliseu. Durante horas, os suspiros dos moribundos misturam-se às risadas dos arqueiros. Um grupo está de joelhos, mãos postas em oração; o zumbido das flechas voando é o seu dobre fúnebre. Eles caem um a um. Dois amigos agarram-se num último abraço, e caem juntos. O sangue de ambos mistura-se na mesma torrente. Nunca houve uma batalha maior vencida pelo bravo. Sua coragem foi um desafio à morte; o espólio de sua vitória, a maior riqueza já obtida.

Seriam esses pobres soldados estranhos a todos os laços de afeto e paixões da alma? Certamente que não. A graça de sofrer o martírio não significa o entorpecimento das sensibilidades humanas; as suas afeições, seus medos e dores são sentidos tão fortemente quanto no coração do soldado moribundo no campo de batalha. O lar, a família e os amigos eram amados pelo mártir, mas o bálsamo sobrenatural da graça amortecia a pontada da separação. Os pais idosos, o cônjuge amado, e os filhos queridos eram alegremente entregues à Providência paternal, que abençoa com o mesmo afago com que pune. Sem um murmúrio, sem um sinal de pesar, eles aguardam a coroa.

Dos horrores deste massacre, somos levados em espírito a outra cena, brilhante e consoladora. Podemos imaginar os espíritos dos soldados agonizantes elevando-se acima da abóbada grandiosa do anfiteatro, ostentando coroas de louro imarcescível; suas almas livres flutuam na alegria eternal. Quando a grande ruína é iluminada numa noite de verão por milhares de pirilampos, como estrelas flutuantes no céu escuro, vêm-nos à mente os anjos brilhantes enviados do céu para saudar aqueles soldados martirizados. 

É terrível o contraste entre a escuridão do massacre no mundo material, e o júbilo que ele causa nas regiões da felicidade verdadeira. Séculos de alegria imutável têm passado sobre aqueles heróis do Coliseu; curta foi a sua batalha; eterna a sua recompensa. As aflições terrenas são momentâneas; no além-túmulo, tornam-se manchas pequeninas no horizonte longínquo do passado.

Os tormentos cruciantes do martírio, que a princípio fazem estremecer, são transições instantâneas para a alegria eterna. Não é, pois, com sentimentos de pena ou indignação, que afastamos desta cena de sangue o nosso pensamento; levantamos o olhar de nossa pequenez para elevá-lo à brilhante galáxia dos espíritos martirizados, nas regiões celestiais, e, viajores que somos neste vale de lágrimas, desejamos juntar-nos a eles em seu incessante hino de gratidão a Deus, por sua misericórdia e bondade.



sábado, 21 de julho de 2012

Como eu poderia?

Como eu poderia dormir paz lembrando que hoje muitos dormirão ao relento, com a cabeça no chão gelado de uma calçada qualquer?

Como eu poderia vasculhar minha geladeira atrás de coisas saborosas sabendo que hoje muitos irão revirar o lixo atrás de restos?

Como eu poderia me empanturrar de comida sabendo que hoje muitos não irão comer o suficiente para saciar a fome?

Como eu poderia me divertir sabendo que hoje muitos só irão chorar?

Como eu poderia me distrair em frente a minha TV sabendo que a distração de muitos hoje será apenas uma pedra de crack ou um “martelo” de cachaça?

Como eu poderia gastar a minha vida em coisas tão inúteis sabendo que hoje muitos não terão nem o básico?

Como eu poderia me auto justificar por minha negligência sabendo que as necessidades do próximo não estão atrás de culpados e sim de socorro?

Como justificar minha vida tão fútil?

Como justificar minha vida tão inútil?

Como justificar minha ingratidão?

Como justificar que não se estende a minha mão?

Ó Cristo ensina-me a viver a verdadeira fé e o verdadeiro amor que nos me deste como exemplo, ajuda-me a ser mais parecido contigo, ensina-me que os caminhos da graça e da misericórdia não são apenas para mim, mas que devo repartir com tantos quantos eu puder!


Mateus 25:32-40

"Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes.

E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.

Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo.

Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram;

necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’.

Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber?

Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos?

Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar? ’

O Rei responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’. "






sexta-feira, 20 de julho de 2012

OS MÁRTIRES DO COLISEU, A. J. O'Reilly, Cap. 12 adaptado – Pequeno Marino,


Pequeno Marino


Ainda temos, na história de Roma, outro caso extraordinário de um pe­queno menino, filho de um senador, exposto às bestas feras do Coliseu. Idade, condição, ou sexo não eram salvaguarda contra a crueldade e a tirania. Hoje, nos hipódromos de Londres e Paris, as pessoas divertem-se vendo meninos realizar proezas de agilidade e destreza, saltando e fazen­do acrobacias, como se seus corpos fossem de borracha, desafiando a lei da gravidade, e voando no ar. Gritos e aplausos saúdam os jovens ginas­tas, quando eles se retiram com uma graciosa inclinação.

O Coliseu também tinha seus jovens prodígios. Não que eles fossem treinados para divertir os romanos com surpreendentes façanhas na corda bamba, ou dando cambalhotas no ar; eram, isto sim, lançados na arena a fim de serem devorados pelas feras, para deleite da turba insen­sível. Sua coragem, habilidade e sucesso vinham de uma ordem superior à capacidade física; vinham do céu. Sua recompensa não era o salário miserável de um empregador, nem as ovações da audiência admirada; era a vida eterna dada por Deus.

Evoquemos um desses emocionantes episódios do Coliseu.

Um estranho acidente pusera os irmãos Carino e Numeriano à frente dos negócios. No ano 283, seu pai, Carus, partira numa expedição contra os persas. Ele era um soldado rude e bem-sucedido com as armas. A guerra civil enfraquecera o leste agitado, e Carus penetrou facilmente o centro do território inimigo. Havendo derrotado a Selêucia, e tomado posse de Ctesiphon acampou próximo ao rio Tigre. É estranho, mas havia uma ordem dos oráculos dizendo qUe não era para os exércitos romanos passar tão perto assim do território persa. Não nos deteremos a examinar a origem desta superstição, mas o fato é que desde o primeiro dia do acampamento, eles quase pereceram totalmente numa tempestade.

Uma noite repentina escureceu o céu, e um raio caiu no meio do acampamento, matando a muitos, e ateando fogo em tudo. Entre as vítimas da tempestade estava o imperador Carus. Em meio a confusão do escuro e o ruído dos trovões, a sua tenda foi vista queimando como uma imensa fogueira, e os soldados corriam de um lado para outro, gritando: — O imperador está morto!

Seus dois filhos, Carino e Numeriano, foram declarados imperadores. O primeiro ficou encarregado do oeste, e o segundo tomou o controle do leste.

Carino teve um reinado curto, porém cruel e sanguinolento. Ele nada tinha a ver com o significado de seu nome; a história o estigmatiza com brutalidade e ignorância. Não que ele adotasse um sistema uniforme de perseguição, mas usava a espada contra os cristãos movido pelo capricho e pela moda. Ele tinha amigo entre os cristãos, e talvez preferisse tolerar a crueldade de seus oficiais tirânicos a infligi-la ele próprio. Contudo, era um anjo de misericór­dia, se comparado ao demônio que o sucedeu na terrível guerra contra o Crucificado. 0 evento que livrou o mundo do imperador Carino entregou as rédeas do governo a Deocleciano, o pior e mais brutal perseguidor da Igreja. Sob o comando de Numeriano e Carino, inumerá­veis mártires foram enviados ao céu. Entre eles, o bravo jovem Marino - um dos santos mortos no Coliseu.

Marino era uma criança de aproximadamente dez anos. Quando se descobriu que ele era cristão, foi agarrado, trazido perante Marciano, o prefeito, açoitado, e lançado ao cárcere.

Em rápidas frases como estas, os Atos dão-nos a preliminar da história do jovem mártir. Mas elas contam o suficiente para preencher volumes. O que não deve ter sido o treinamento desta criança! O que não deve ter sido a inocência pura de sua alma imaculada! A fantasia leva-nos através do lapso dos séculos, e imaginamo-nos sentados no Fórum de mármore da poderosa cidade. A multidão avizinha-se, e alguns soldados conduzem rudemente um belo menino à corte do prefeito. Pesadas cadeias magoam-lhe as mãos, e a larga faixa dourada à volta de seu laticlavo púrpura revela que ele é filho de um senador. Que crime terá ele cometido? Poderia alguém tão jovem e bonito ser um homicida? Um murmúrio percorre a multidão sempre crescente: Ele é um cristão.

Entram no edifício onde o prefeito tinha o seu tribunal (provavelmente o Templo da Terra). Não se ouve uma queixa do jovem prisioneiro - nenhum medo infantil - nenhum soluço. Bravo e destemido, o pequeno seguidor de Cristo mantém-se ereto diante do tirano. De onde essa eloqüência, essa profundidade de erudição e pensamento, o som angelical de sua voz? Notem o auxílio sobrenatural prometido àqueles que são levados diante dos príncipes e tiranos. Observem a "sabedoria perfeita nos lábios do inocente".

O juiz está confuso - silenciado por um garoto. Ele desafoga sua raiva impotente ordenan­do que Marino seja fustigado. Os lictores brutos e cruéis arrancam-lhe a pequena túnica, e logo us ombros brancos e lisos tornam-se vermelhos e azulados com as escoriações da chibata. Não há choro nem movimento, exceto o choque convulsivo, que a cada lambada dolorosa, percorre-lhe a frágil estrutura.

— Tu irás sacrificar? — ecoa a pergunta pelo salão, a cada intervalo.
A resposta é um baixo e doce murmúrio do nome de Jesus. Frustrado e enraivecido, ordena que o menino seja lançado à prisão, enquanto prepara algum mecanismo infernal de tortura, capaz de abalar a constância do menino.

Pobre Marino! Sofrendo as dores do açoite, ele passa a noite na prisão escura; nenhum curativo para as suas feridas; não há uma gota d'água para a sua língua febril. Ele estava acostumado a um belo quarto e uma cama de plumas; agora, seus ossos doloridos estendem-se nas pedras úmidas e frias do assoalho. Pensava ele na mãe e nos colegas? Fantasiava como menino os fantasmas do medo? O sofrimento e temor o faziam duvidar de Deus? Não. Sabe que os anjos de Deus estão ao seu redor. Seu coração está iluminado e confiante. A sua alegria interior absorve as sensibilidades da carne, e o faz esquecer-se da dor. Nasce o sol da manhã. Em seu apogeu, ele testemunhará a derrota do poder das trevas e o triunfo do filho do senador.
O juiz já tomou assento, e Marino foi trazido perante ele. A roda, o fogo, e os demais instrumentos de tortura já estão prontos. O pequeno mártir olha aquilo tudo; sabe que foram preparados para ele. No entanto, não está assustado. Apesar de jovem na idade, é maduro nas sublimes lições do evangelho. Está preparado para morrer por Cristo.

Percebendo que o menino ainda está inabalável em sua resolução, o malvado juiz ordena que seja estirado na roda. Mas observem, o Deus Todo-poderoso não permitirá que seu servo puro e inocente seja desconjuntado ou rasgado pela brutalidade dos pagãos. Mal os executo­res lhe estiraram o corpo na máquina, e começaram a girar as polias para esticar as cordas, o medonho instrumento foi atingido por um raio, e rompeu-se em mil fragmentos. Os lictores e os curiosos que se achavam muito perto caíram. Marino, porém, levantou-se ileso no meio dos cavacos. Com um dedo, ele apontava os destroços do instrumento de tortura, com outro, apontava o céu, indicando que Jesus é o escudo e a força dos oprimidos.

O milagre, em vez de aterrorizar e converter o impiedoso Marciano, deixou-o mais ansioso para tirar a vida do menino. No entanto, uma vez mais ele seria malsucedido em sua crueldade. Mandou que Marino fosse posto num grande caldeirão, com fogo em baixo. Para o menino foi o mesmo que deitar num leio de rosas, e o calor intenso, que avermelhava o ferro, foi para ele uma brisa fresca, cheirando a orvalho.

Vendo que de nada adiantara, o tirano mandou que o pusessem num forno rubro de calor, e ali o mantivessem até o dia seguinte. Mas Deus protegeu e confortou Marino. Na manhã seguinte, ao abrirem o forno esperando vê-lo transformado em carvão e cinzas, encontraram-no de mãos postas em oração, e cantando hinos de louvor a Deus. Quando deram a notícia a Marciano, ele sapateou de raiva, e ordenou que o menino fosse jogado às feras, no Coliseu Que os leões famintos dessem cabo daquela criança enfadonha. Novamente, porém, o poder de Deus seria mostrado através da vítima inocente e vulnerável, e Ele, que reina do alto haveria de rir das maquinações de seus inimigos.

No Coliseu, um leão foi solto primeiro. Ele correu para a criança trêmula, mas deitando-se à sua frente, parecia reverenciá-la. Depois, pondo-se de pé, pousou uma grande pata no ombro do garoto, e começou a lamber-lhe a face. Soltaram um leopardo, e ele também veio lamber-lhe os pés. Então foi a vez da fêmea do leopardo e de um tigre. Os animais pareciam competir entre si, na demonstração de afeto ao mártir. O povo gritava. Os tratadores fizeram de tudo para irritar as feras, mas tiveram de fugir da arena porque elas ameaçaram virar-se contra eles.

Ocasionalmente, o leão e o tigre encaminhavam-se para a ala onde estava Marciano, e olhando em sua direção, rosnavam enraivecidos. Depois voltavam correndo ao centro da arena, e prodigalizavam afagos ao menino cristão. Marino falava com eles e dava-lhes tapinhas, como se fossem animais de estimação criados em sua casa.

O Coliseu ressoava com os gritos de "Libertas", "Maleficium", "Mors", "Ut quid plus?", e expressões semelhantes a estas, familiares à multidão do anfiteatro.

O prefeito, confuso e derrotado, não sabia o que fazer. Enquanto o tumulto aumentava no meio do populacho, ele mandou que os lictores removessem o mártir, mas eles recusaram entrar na arena enquanto as feras lá estivessem. Até os tratadores sabiam que elas os fariam em pedaços, se eles se metessem com o garoto. Finalmente, fizeram sinais para que Marino saísse de lá, e a nobre criança guiou os animais aos seus covis. Assim que os pesados portões se fecharam sobre as bestas, os lictores apressaram-se em algemar as mãos do menino indefeso, e levá-lo embora como se fora um criminoso infame.

A nossa história de milagre, triunfo, e crueldade, ainda não terminou. Outros milagres ainda trariam honras ao nome de Deus. Toda a Roma deveria testemunhá-los, uma vez mais, como prova da verdade divina do cristianismo. Após a preservação milagrosa de Marino no Coliseu, cresceu o interesse público por seu destino.

Marciano, temendo que a simpatia do povo lhe suscitasse também a indignação contra ele, empenhou-se em convencê-los de que era justiça a sua crueldade contra o menino. Ordenou que ele fosse levado à estátua de Serapis, a fim de oferecer-lhe sacrifício. Milhares de pessoas arrojaram-se do Coliseu para lá; todos queriam ver de perto o pequeno herói, e apressaram-se em direção à estátua do deus pagão, erigida na vizinhança do anfiteatro.

Uma imensa multidão cercou o ídolo; todos estavam ansiosos para ver o fim do filho do senador. Suas feições bonitas e amáveis, sua juventude, sua modéstia e dignidade, haviam despertado a admiração geral. Alguns cristãos, misturados à multidão, quase choravam audívelmente de alegria, ao ver a constância do pequeno mártir.

Chegando à estátua, Marino ficou no meio de um círculo formado pelos soldados. Uma grande caçoula de carvão queimava ao pé do ídolo, e o sumo sacerdote do Capitólio, de pé ali perto, segurava numa das mãos o tripé, e na outra, uma vasilha de incenso. O silêncio foi exigido com um grito, e Marciano, num tom alto e áspero, mandou que o menino oferecesse sacrifício.
Vejam! Marino está se ajoelhando! Teria ele consentido em orar ao ídolo inconsciente? Estaria com medo de novas provações? Ou a graça de Deus o teria abandonado?

Um silêncio sem fôlego reina à volta. O prefeito acredita que, finalmente, subjugou o espírito altivo do pequeno cristão. Tolo pensamento! Marino está orando ao Deus verdadeiro. Sua oração já atravessou as nuvens do firmamento; sua resposta é o disparo do relâmpago que atingiu a imagem de Serapis. O povo viu o deus desfazer-se em pedaços aos pés do menino. Alguns fugiram aterrorizados. Outros, de espantados que estavam, não saíram do lugar. E muitos deles bradavam: — Grande é o Deus dos cristãos!

Nesse dia, muita gente conheceu a luz de Cristo, porque Deus usa as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes.

Marciano mandou que removessem o mártir ao presídio. O Todo-Poderoso ouviu o pedido do menino para livrá-lo das mãos do inimigo, e preparou para ele uma coroa eterna. O prefeito tentou novamente tirar a vida do pequeno servo de Deus, ordenando que fosse decapitado. Dessa vez, conseguiu seu intento. No dia 26 de dezembro, de 284, a alma pura do corajoso Marino alçou vôo para o reino da bem-aventurança.

O malvado prefeito ordenou que o corpo de Marino fosse jogado com os cadáveres de criminosos, escravos, e gladiadores assassinados no Coliseu. A noite, alguns cristãos zelosos foram buscá-lo, mas toparam com os guardas que vigiavam o local. Por providência divina, uma tempestade com raios e trovoadas assustou os guardas, fazendo-os fugir dali. E os cristãos transportaram para as catacumbas o corpo do pequeno mártir.

Próximo ao Coliseu, sobre as ruínas do Templo de Vênus e Roma, erigido pelo extravagan­te Adriano, foi construída, na Idade Média, uma bela igreja, hoje conhecida como a igreja de Santa France de Roma. Nesta pequena igreja, estão hoje preservados os restos mortais de Marino, o pequeno mártir de Cristo.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

OS MÁRTIRES DO COLISEU, A. J. O'Reilly, – CAPÍTULO 6 Adaptado.



Quando Jesus estava em sua última caminhada rumo à Jerusalém, onde alguns dias mais tarde ELE seria barbaramente torturado e assassinado, seus discípulos seguiam-no de perto. Na estrada de Cafarnaum, começaram a discutir entre si qual deles seria o mais importante.

Jesus, porém, sabia o que se passava entre eles. Ao chegarem a Cafarnaum, Ele entrou numa casa, fez os discípulos sentarem-se à sua volta, e pôs-se a ensinar-lhes aquelas maravilhosas lições de humildade, que são a fundação de toda real grandeza: . Irradiando amor e bondade no semblante, Ele indagou: "De que é que vocês vinham tratando pelo caminho? Mas eles ficaram quietos".

Um raio de luz penetrou-lhes o coração, enquanto as palavras de Jesus lhes penetravam os ouvidos, e um rubor foi o reconhecimento de seu orgulho. Perto do Senhor havia uma bela criança - um menininho de olhos brilhantes, de quatro ou cinco anos, com os cabelos dourados caindo em cachos pelos ombros. Era o símbolo de tudo o é que belo e inocente. Jesus chamou o menino, e imprimindo-lhe um beijo na testa, colocou-o diante dos discípulos. Então, no doce tom de sua voz celeste, advertiu-os: "Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus".

Segundo a tradição, aquele menino era Inácio! O garotinho abraçado por Cristo, e posto em sua inocência como modelo de tudo o que é verdadeiramente grande, seria, nos anos vindou­ros, o bispo de Antioquia, que foi devorado por bestas feras no Coliseu. Na verdade, nada se sabe da infância e juventude de Inácio. Ele aparece nas páginas da história já como o bispo de Antioquia, que nessa ocasião era uma das maiores cidades de Roma. A circunstância acima descrita, embora mencionada por alguns escritores antigos não possui confirmação histórica além da tradição. Não a tomamos como certa, mas a apresentamos como uma introdução interessante aos Atos desse grande mártir, que são, indubitavelmente, genuínos.

Inácio fora discípulo dos apóstolos Pedro e João. Aprendera desses mestres competentes a sublime ciência do amor de Deus, que fez dele um dos pilares e ornamentos da Igreja Primitiva. Depois dos apóstolos, ele foi um dos homens mais notáveis da igreja. Após uma vida de mais de cinquenta anos no episcopado de Antioquia, aprouve ao Todo-Poderoso chamá-lo a receber sua coroa, por uma morte que deveria ser uma glória e um modelo para a Igreja. A história de seus labores e virtudes não foi escrita, mas todas as particularidades de sua morte foram registradas por testemunhas oculares e distribuídas em várias igrejas; por isto seus Atos são os mais autênticos na história do passado. O documento original, escrito em grego, acha-se preservado, e foi publicado por Ruinart, em Paris, em 1690. A cena de seu martírio começa, de acordo com a melhor autoridade, no ano 107 de Nosso Senhor. Trajano tinha nas mãos o cetro dos césares. A tempestade que atacara a Igreja durante o reinado de Domiciano fora acalmada. Relatam os historiadores que Trajano não amava naturalmente o derramamento de sangue, e possuía um sentimento de humanidade mais nobre que todos os imperadores que o precederam; era, no entanto, covarde e escravo da opinião pública. Ele reprimia os próprios sentimentos para favorecer o gosto brutal da plebe. A fim de ganhar popularidade, e sob o pretexto de devoção aos deuses do Império, dava continuidade, de tempos em tempos, às horríveis cenas de perseguição aos inofensivos cristãos. Inácio foi uma de suas vítimas. 

No oitavo ano de seu reinado, Trajano obteve uma gloriosa vitória sobre Decébalo, o rei dos dácios, e anexou todo o seu território ao Império Romano. No ano seguinte, assentou uma expedição contra os partos e os armênios, aliados dos dácios. Chegando a Antioquia, ameaçou com as mais severas punições todos aqueles que não sacrificavam aos deuses. O trabalho e a pregação do venerável bispo desta cidade fora tão coroado de sucesso, que a igreja florescera, e deixara de ser uma desprezível comunidade de uns poucos indivíduos. Os pagãos viam com maus olhos a igreja crescendo à sua volta, e aproveitaram a presença do imperador para pedir a sua extinção. "O magnânimo campeão de Jesus Cristo" dizem os Atos de Inácio, "receando que sua igreja se transformasse num cenário de massacre, voluntariamente entregou-se em suas mãos, para que saciassem nele a sua fúria, salvando assim o rebanho"'.

Ele foi imediatamente conduzido à presença do imperador, e acusado de ser o cabeça e promotor do cristianismo na cidade. Trajano, assumindo um tom arrogante e desdenhoso, dirigiu-se ao idoso bispo, que se mantinha destemido perante ele, com estas palavras: - Quem és tu. espírito ímpio e mau, que te atreve não somente a transgredir nossas ordens, mas também a aplicar-te em carregar outros contigo para um fim miserável?
Meigamente, Inácio replicou: — Os espíritos ímpios e perniciosos pertencem ao Inferno; eles nada têm a ver com o cristianismo. Tu não podes chamar-me de ímpio e mau. quando levo no coração o Deus verdadeiro. Os demônios tremem à simples presença dos servos do Deus a quem adoramos. Eu tenho Jesus Cristo, o Senhor universal e celestial, e Rei dos reis. Pelo seu poder, posso pisar todo o poder dos espíritos infernais.
— E quem é que possui e carrega seu Deus no coração? — indagou Trajano.
— Todos os que creem no Senhor Jesus Cristo, e o servem fielmente — foi a resposta daquele homem santo,
— Então não acreditas que também carregamos dentro de nós os nossos deuses imortais? Não vês como eles nos favorecem com o seu auxílio, e que grande e gloriosa vitória obtivemos sobre os nossos inimigos?
—Vós estais enganados ao chamar de deuses aquelas coisas que adorais — replicou Inácio, majestosamente. — Eles são espíritos amaldiçoados; são os demônios. O Deus verdadeiro é apenas um, e foi Ele quem criou os céus, a terra, e o mar, e tudo o que existe. E apenas um é Jesus Cristo, o Filho primogênito do Deus Altíssimo, e a Ele eu oro humildemente, para levar-me um dia a entrar no seu reino eterno.
— Quem é este Jesus Cristo? Não é Ele que foi posto à morte por Pôncio Pilatos?
— É dele que eu falo — devolveu Inácio. — Ele, que foi cravado na cruz, que aniquilou o meu pecado e o inventor do pecado, e que, pela sua morte, pôs sob os pés daqueles que devotamente o levam no coração todo o poder e malícia dos demônios.
— Então carregas dentro de ti este Jesus crucificado? — Perguntou o imperador com um sorriso sarcástico.
— Assim é — afirmou Inácio. — Porque Ele nos diz em sua santa Escritura: "Neles habitarei e andarei entre eles" (2 Co 6.16).
Por um momento, Trajano silenciou; pensamentos conflitantes passaram-lhe pela mente. Estava ansioso para ouvir mais sobre a religião dos cristãos, e tocado pela venerável aparência do servo de Cristo, esteve para mandá-lo de volta ao seu povo com uma leve reprimenda, mas o demônio do orgulho e da infidelidade levantou-se de um salto em seu coração, e recordou-lhe que qualquer parcialidade para com a seita odiada seria um sinal de fraqueza, uma perda de popularidade, e uma falta de lealdade aos deuses. Ademais, a hesitação trairia o falso zelo de seu coração hipócrita, então, sentando-se no trono, pronunciou a sentença contra o bispo de Antioquia:
— Ordenamos que Inácio, que afirma carregar consigo o Jesus crucificado, seja levado em cadeias à grande cidade de Roma, e em meio aos jogos do anfiteatro, como um prazeroso espetáculo ao povo romano, seja dado em alimento ás bestas feras.
Quando Inácio ouviu sua sentença, caiu de joelhos, e erguendo os braços ao céu, bradou num êxtase de alegria: - Oh. Senhor, agradeço-te haver-me honrado com o mais precioso sinal da tua caridade, e permitido que eu seja acorrentado por teu amor, como foi o apóstolo Paulo.
Ele permaneceu na mesma posição, os braços levantados, os olhos fixos no céu; parecia haver tido um vislumbre daquela inefável alegria que tão ardentemente desejava, e que logo desfrutaria. Foi arrancado de seu devaneio pelas garras de um soldado que agarrou-lhe a frágil mão, e a prendeu numa algema de criminoso. Seu crime foi "carregar dentro de si Jesus crucificado". Ele não ofereceu resistência; cheio de alegria, e orando por seu pobre rebanho, foi com os guardas para uma das celas da prisão pública, onde aguardaria a partida para Roma.
Uma multidão agrupara-se no pátio do palácio do governo, onde residia o imperador. Quando viram o venerável bispo algemado e condenado à morte, um murmúrio de compaixão rompeu de cada lábio; havia muita gente com lágrimas nos olhos, e no peito, um soluço reprimido. Eram cristãos assistindo o seu amado bispo e pai ser arrastado para uma morte ignominiosa.

João Crisóstomo reflete com muita eloquência e piedade sobre a razão de Inácio haver sido levado a Roma. Os mártires eram geralmente mandados do tribunal para o cadafalso, e frequentemente tornavam-se vítimas da ira impotente dos tiranos, e eram torturados e postos à morte na própria corte de justiça. Trajano, porém, não era homem de disposição brutal, e teria suspendido a perseguição contra os cristãos, não fosse o temor da indignação popular. Quando ordenou que o velho bispo fosse levado a Roma e exposto às feras perante dezenas de milhares de espectadores, foi para que o Império inteiro pudesse louvar-lhe o zelo a serviço dos deuses, e o povo fosse dissuadido de abraçar o cristianismo ao testemunhar a terrível sorte de seus líderes. Entretanto, a divina Providencia, que pode tirar o bem das más ações humanas, destinou essa jornada à edificação da Igreja e à salvação de inúmeras almas. A constância, a piedade, e a eloquência do mártir em seu caminho para a morte espalharam amplamente a sublime verdade da lei divina; ele despejou de seu coração o fogo do amor que queimava dentro de si. Por onde ele passava, os cristãos eram animados a um novo fervor, e muitos infiéis reconheceram no respeitável bispo um reflexo da divindade do evangelho que ele pregava; negando os falsos deuses do paganis­mo, tornaram-se filhos de Deus.

Inácio escreveu algumas cartas maravilhosas e sublimes, solicitando aos cristãos de diferentes igrejas, especialmente de Roma, que não lhe impedisse o martírio. Não que os cristãos fossem acostumados a resgatar seus mártires das mãos dos tiranos por meio da força física, mas Inácio bem sabia que eles possuíam armas mais poderosas que aquelas ostentadas pelos exércitos nas batalhas; era a invisível, irresistível, e poderosa arma da oração. Por ela, a ira dos tiranos era desviada, e a morte, frustrada. E Inácio suplicou-lhes, com todo o fervor de seu coração, que o deixassem receber sua coroa, e partir agora, em sua idade avançada, de uma enfadonha vida de inquéritos judiciais para a bem-aventurança inefável do reino celestial. Os cristãos consentiram, e o mártir ganhou sua coroa.

"Obtive do Deus Todo-poderoso", escreveu ele em sua carta aos romanos, "o que há longo tempo venho desejando: ir ver-vos, a vós, verdadeiros servos de Deus; e mais que isto, espero alcançar sua misericórdia. Vou a vós algemado pelo amor de Jesus Cristo, e algemado, espero chegar logo à vossa cidade para receber vosso abraço e despedidas para o fim. As coisas começaram de modo auspicioso, e eu oro sinceramente para que o Senhor remova todo impedimento ou atraso para o glorioso fim que Ele parece me haver destinado. Mas, oh! Um medo terrível arrefece-me a esperança, e vós, meus irmãos, sois a causa deste temor. Temo que a vossa caridade se interponha entre mim e a minha coroa. Se vós desejásseis impedir-me de receber a coroa do martírio, ser-vos-ia fácil fazê-lo. Mas que tristeza e dor seria para mim essa bondade que me privaria da oportunidade de sacrificar a minha vida - oportunidade que talvez eu nunca mais tivesse. Permitindo que eu me vá sossegadamente ao meu fim, vós me ajudais naquilo que me é mais caro. Se, todavia, em vossa caridade mal orientada, quisésseis salvar-me, estaríeis-vos pondo como os mais cruéis inimigos no próprio portal do céu, e arremessando-me de volta ao profundo e tempestuoso mar da vida, para ser novamente atirado de um lado para outro em seus vagalhões de aflição.

Se me amais com verdadeira caridade, permitir-me-eis subir ao altar do sacrifício, e vós mesmos reunir-vos-eis à minha volta, entoando hinos de agradecimento ao Pai e a Jesus Cristo, por Ele haver trazido, do leste para o oeste, de Esmirna a Roma, o bispo de Antioquia, para fazê-lo confessor de seu grande nome, e sua vítima e seu holocausto. Oh! Que feliz e abençoada a nossa sina, morrer para este mundo, e viver eternamente em Deus!"

Noutro trecho de sua carta, ele usa estas sublimes e tocantes palavras: "Deixai-mc ser o alimento das feras; deixai-me ir, desse modo, a possessão de Deus. Sou o trigo de Jesus Cristo; portanto devo ser quebrado e moído pelos dentes dos animais selvagens, para que me torne seu pão imaculado e puro. Mago aqueles animais que logo serão meu honrado sepulcro. Eu desejo e peço a Deus que eles não deixem nada de mim sobre a terra, para que quando o meu espírito voar ao descanso eterno, o meu corpo não seja uma inconveniência a ninguém. Então serei um verdadeiro discípulo de Cristo, quando o mundo não puder ver mais nada de mim. Oh! Oro a Deus para que assim seja; que eu possa ser consumido pelas bestas, e ser a vítima do seu amor. É para solicitar o vosso auxílio que vos escrevo; não vos envio mandamentos e preceitos, como Pedro e Paulo. Eles eram apóstolos; eu. um criminoso miserável. Eles eram livres; eu, um escravo sem valor. Mas se eu sofrer o martírio, serei livre. Agora que estou em cadeias por Jesus Cristo, reconheço a futilidade das coisas mundanas, e aprendi a desprezá-las. Na viagem que fiz desde a Síria, por terra e por mar, de noite e de dia, lutei e ainda luto com dez leopardos ferozes, que me pressionam de todos os lados; são os dez soldados que me mantêm algemado, e são meus guardas, que se tornam ainda piores e mais cruéis, de acordo com os benefícios que recebem. No entanto, estas coisas são para mim lições do mais sublime caráter; contudo, ainda não sou perfeito". Veja Acta Sincera. Ruinart, vol. I, etc.)

Embora as cartas de Inácio despertem os mais profundos sentimentos de devoção em nossa alma, trazem-nos aos olhos lágrimas de compaixão. Não resta dúvida de que ele sofreu muito em sua longa e tediosa jornada a Roma. Essa viagem deve ter levado mais de seis meses; a sua carta de Esmirna data de 24 de agosto, e ele só foi martirizado em 20 de dezembro. Havendo chegado à Grécia, cruzaram por terra a Macedônia, e navegaram novamente de Epidamo à Itália. Cruzaram o mar Adriático, e foram rodeando o litoral sul da Itália, para a costa oeste. Passando a cidade de Pozzuoli, Inácio ansiou desembarcar lá, a fim de ir à Roma pela mesma estrada que Paulo percorrera muitos anos antes. Mas levantou-se um vento favorável, e toda a viagem foi feita pelo porto de Ostia. "Por um dia e uma noite", relatam os cristãos que acompanharam Inácio e escreveram os Atos de seu martírio, "tivemos este vento favorável. Para nós, decerto, era ele uma fonte de grande tristeza, porque nos obrigava a mais depressa separar-nos da companhia desse homem santo; para ele, no entanto, era motivo de grande alegria e felicidade, porque o aproximava cada vez mais de seu fim almejado".

Chegaram à Ostia pouco antes do término dos jogos anuais das atendas de janeiro. Estes jogos eram chamados sigillaria, e eram os mais populares e concorridos. Os soldados, desejando chegar a Roma antes de seu término, apressaram-se de Ostia, sem demora. Muitos dos cristãos ouviram da chegada de Inácio, e foram encontrá-lo num lugar próximo de onde agora se vê a imponente igreja de São Paulo. Ele foi saudado com uma mistura de alegria e tristeza; alguns estavam maravilhados de ver o venerável pastor, e receber a sua última bênção; outros choravam cm voz alta a tristeza de saber que aquele grande homem ser-lhes-ia tirado por uma morte ignominiosa. Ele os consolava com a alegria de seu próprio coração, e tornava a implorar-lhes que não lhe evitassem o sacrifício com suas orações. Chegando junto aos portões, caíram todos de joelhos e receberam a sua última bênção solene.

Era a manhã do dia 20 de dezembro, de 107 d.C. O sol já se erguera no céu, e despejava seu esplendor dourado sobre a cidade. Os soldados e o velho bispo algemado adentraram aquele portão, através do qual rolara a corrente do triunfo, e passaram muitos cativos do leste, para serem massacrados no Capitólio, como o clímax glorioso do bárbaro triunfo.

Inácio desejara, desde a infância, ver a grande metrópole do Império, e agora, ela se abria diante dele cm brilhante esplendor. Era uma floresta de templos, túmulos e mansões, de um branco nevado que parecia imperecível. Seus olhos, porém, estavam embaçados de lágrimas: seu coração, moído de tristeza pela medonha escuridão que pairava sobre a cidade poderosa. O esplendor e a magnificência de seus monumentos de mármore e ouro mais se assemelha­vam à decoração de uma tumba colossal. Com os braços cruzados sobre o peito, ele orou para que o sol da justiça eternal um dia raiasse sobre a cidade ignorante; que o sangue de tantos mártires derramado em seu solo contribuísse para que na vida de outros santos se apresentas­sem os frutos daquele sangue mais precioso vertido no Calvário.

Enquanto Inácio absorvia-se na oração, uma breve curva na estrada trouxe-os para dentro da visão do poderoso Coliseu, do deslumbrante vestígio do palácio dourado de Nero, que coroava o Palatino, e. à distância, dos templos imponentes do Capitólio. Ao mesmo tempo, ouviram o troar de alguns milhares de vozes, misturadas aos rugidos dos leões e das outras feras. Um gladiador havia tombado no anfiteatro, e o populacho brutal ovacionava o golpe fatal que o derrubara; os animais alarmavam-se no calabouço, e a terra parecia tremer ao som do medonho coro de homens e bestas. Alguns minutos, e Inácio chegou junto aos muros maciços do Coliseu. Mas adiantemo-nos a ele, e tomemos assento numa das bancadas, para testemu­nhar a horrenda cena que se seguirá.

Um simples olhar à volta do anfiteatro, e seriam necessários alguns volumes para descre­ver tudo o que vemos. Imensidão e arte, beleza e conforto, envolto com os raios de luz que trazem as primeiras impressões - a mistura heterogênea de milhares de pessoas que ocupam cada assento disponível, o multicolorido suavizado pelo toldo púrpura, enriquecido pelas brilhantes armaduras dos soldados, e tudo o que o ouro e a prata podem oferecer para deslumbramento dos olhos. O trono do imperador, numa plataforma elevada, com o palio carmesim, é de notável suntuosidade. Ele não está presente; encontra-se no acampamento. Mas o seu lugar está ocupado pelo prefeito da cidade, um coitado imprestável, cujo deus é a vontade do seu senhor, Próximo a ele estão os organizadores dos jogos, os irmãos Arvals, e as virgens vestais; no primeiro círculo de bancadas, sentam-se todos os ricos e grandes da cidade;  a ordem acima deles acha-se vestida de belos mantos brancos - são os cavaleiros. E então vem  a imensa plataforma, ou galeria do povo, onde se acham bancadas de madeira para as mulheres, obrigadas, por lei. a estarem separadas, e modestamente à distância das cenas de nudez e crueldade, que se passam na arena. Entre o povo. estão os enviados de todos os territórios sob a águia romana, e em todas as variedades de cores e costumes. Vê-se a raça robusta do norte gelado, de alvas feições e cabeleira castanha, lado a lado com o árabe trigueiro c o etíope de cabelo encaracolado; vêem-se os habitantes das profundezas do Egito, que bebem água das cataratas do Nilo, ao lado dos sarmácias, que mitigam a sede com o sangue de seus cavalos.

"Quae tam seposita est, quae gens tam barbara, caesar,  ex qua spectator non sit in urbe tua!"
— Marcial.

A confusão das vozes era como o murmúrio do mar vigoroso. Parecia que a soberania do povo, banida do Fórum, buscara refúgio no anfiteatro, e vindicava com gritos ensurdecedores a sua liberdade de insultar e abusar. Em vão imaginamo-nos como pessoas do passado, para pintar as cenas do Coliseu nos dias de sua glória! Nada possuímos no âmbito de nossa experiência para comparar aos seus 100.000 espectadores tripudiando sobre imagens de assassinato e sangue.

Percorrera a multidão o rumor de que um dos líderes dos cristãos havia sido trazido da Síria, e condenado, por ordens do imperador, a ser exposto às feras. Um frenesi selvagem vai passando de banco para banco; o anfiteatro inteiro levanta-se e solta o grito coletivo, pedindo que os cristãos sejam lançados aos leões. Os mais fortes aplausos de nossos maiores teatros são apenas brisa, se comparados aos brados da raiva diabólica com que os romanos pediam o extermínio dos seguidores do galileu crucificado. Como o estrondo de uma avalanche alpina ecoando através dos montes, a vibração das vozes humanas percorre os palácios e os monu­mentos de mármore da cidade que, pelos desígnios da Providência, tornou-se um dos centros do cristianismo antigo.

Repentinamente, a calma reina sobre as massas vivas; todos os olhos fixados no portai» este. Os soldados conduzem à arena um homem idoso e fraco, Os cachos prateados de seu cabelo foram branqueados pela neve de mais de cem invernos; seu passo é firme; seu aspecto, mimado: nunca uma vítima mais venerável foi conduzida através daquelas areias manchadas de sangue. Ele é levado aos pés da plataforma imperial; o prefeito, tendo ouvido de sua longa viagem desde o leste, e tocado por sua idade e aparência respeitável, pareceu experimentar um sentimento de piedade, e dirigiu-se-lhe nestas palavras: "Admiro-me de que ainda estejas vivo, após toda a fome e o sofrimento que já suportaste; agora, consente ao menos em oferecer sacrifício aos deuses, para que sejas livre da horrível morte que te ameaça, e salva-nos do pesar de ter de condenar-te".

Inácio, empertigando-se com majestade, e lançando ao representante do imperador um olhar de desdém, declarou:

— Com tuas palavras brandas, desejas enganar-me e destruir-me. Sabe tu que esta vida mortal não tem atração para mim; desejo ir a Jesus, que é o pão da imortalidade e a bebida da vida eterna. Vivi inteiramente para Jesus, e a minha alma anela por Ele. Desprezo todos os teus tormentos, c lanço aos teus pés a tua liberdade oferecida.

O prefeito, enraivecido com a linguagem ousada do bispo, proferiu num tom arrogante: — Já que este velho é tão orgulhoso e desdenhoso, deixai-o ser amarrado, e soltai dois leões para devorá-lo.

Inácio sorriu com alegria. Com um ato de ações de graças no coração, e uma súplica muda por forças, dirigiu-se à assembléia nestes termos: — Romanos que testemunhais a minha morte não penseis que sou condenado por algum crime ou má ação. E-me permitido que eu vá a Deus, o que anelo com insaciável desejo; sou trigo de Deus, e devo ser moído pelos dentes das feras, a fim de tornar-me para Ele um pão branco e puro.1

Caiu, então, de joelhos, cruzou os braços sobre o peito, e com os olhos erguidos ao céu, esperou calma e resignadamente pelo momento que deveria libertá-lo dos problemas desta vida, e lançar-lhe a alma em seu vôo para a eternidade. Mais um momento, e os pequenos portões das passagens subterrâneas se abrem, e dois leões saltam para a arena.

Um silêncio palpável reina no anfiteatro. As feras avançam... Basta. Deixemos que a imagina­ção complete os detalhes angustiantes. 0 mártir foi-se ao encontro de sua coroa. Podemos apenas transcrever as breves e tocantes palavras de seus Atos-. "Sua oração foi ouvida: os leões nada deixaram, a não ser os ossos mais sólidos de seu corpo".

A noite arrastou-se sobre a cidade. O Coliseu está silencioso como uma tumba. À frouxa luz do luar. três homens caminham rápida c silenciosamente à sombra das arcadas. Peno do centro da arena, num dos lados da arquibancada do imperador, eles abaixam-se e desdobram um pano, onde recolhem alguns ossos e uma porção de areia empapada de sangue. São os cristãos Carus, Philom, e Agathopus, que acompanharam Inácio desde a Antioquia.

Próximo ao Coliseu, há uma casa freqüentada pelos cristãos. É a casa de Clemente, membro da família de Flávio, e discípulo de Pedro. Para esta casa os três amigos levam os restos mortais do querido pastor, e prestam-lhe as homenagens fúnebres.

Embora Inácio seja o primeiro a ser mencionado por sofrer no Coliseu, temos muitas razões para acreditar que houve muitos mais antes dele, e depois também, expostos às bestas feras no mesmo lugar, e de quem nenhum registro chegou até nós. Quando Inácio morreu, o Coliseu já tinha vinte e sete anos de uso. Nesse tempo a perseguição aos cristãos assolava com fúria ora maior, ora menor, e temos relatos de cristãos sendo lançados às feras noutros anfiteatros do Império. Lemos a respeito de Tecla, exposta, a mando de Nero, no anfiteatro de Licaònia. Supõe-se que ela tenha sido a primeira mulher martirizada. Atílio Glabrione. que era cônsul sob Domiciano (93 d.C), teve de lutar com um leão no anfiteatro p Albano. 0 servo de Deus bravamente matou o leão, mas foi depois martirizado pelo tirano, em Roma.

Conquanto seja pequena a lista autenticada desses que sofreram no Coliseu de Roma. temos várias razões para presumir que milhares foram enviados ao céu, sem que tenhamos pies qualquer registro. O último e terrível dia, que desvelará ao homem o passado e o futuro, encontrará entre o inigualável coro dos mártires uma multidão de almas triunfantes, que lutaram na arena do Coliseu, e cujos nomes não fomos capazes de honrar nas páginas deste livro.